sexta-feira, 3 de junho de 2016

OKÊ ARÔ!

Feito cinzas de cigarro
Seu corpo na janela
Antes era aquarela
Agora tons de amarelo
No canto da boca
Quiçá algo de vermelho
A cada céu sem lua
Ou quando, louca e nua,
A agulha lhe abandona o veio

Estirada sobre a neve
Sob um sol nublado
Meio cheia, meio vazia
Densa, líquida e fria
Olhar mareado, sorriso em pó
Entre amigos e dentes
Cerrados e serpentes
Desliza noite adentro
Numa carreira só

Corre, Poliana
Gira a sua pomba
Brinca seus erês
Dança sua cigana

Aceita meu convite, menina triste
Vem ter comigo na cachoeira
Pisar o verde, comer o grão
Contemplar o azul da imensidão
Rodar a saia, trepar em árvore, pular fogueira
Comer fruta vermelha e ver por-do-sol
Você é feita fogo e liberdade
Vem matar saudade
Sob o céu do meu lençol


quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Trocista

Esconde teu segredo, segrega
Nega teu sentimento, congela
E se isso não te basta, queima
Esmaga tuas pétalas, amarga
Rosa pecaminosa
Sê tu que mereces o precipício
Lança-te
Enquanto observo sereno
Sentado à beira do abismo.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Correnteza

Enquanto a chuva transborda
Pelas ruas e sai pelo ladrão
Os pensamentos te inundam
E uma enxurrada de palavras
Represadas em tu'alma
Escoam ladeira abaixo
Em vão...
Sereno escorre
Dos olhos de quem ama
Mas leva pra cama
Um mar de solidão.

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Vertigem

De repente você acorda e sente que está em queda livre. Não sabe em que momento se jogou, ou foi empurrada. Quando foi que eu decidi soltar as mãos e abandonei o medo de me machucar novamente? E se lá embaixo só houver mesmo o chão? Duro e frio... E se eu estiver apenas dançando alguns compassos solitários num salão vazio? Às vezes me sinto mera figurante nesse seu roteiro imprevisível, sem me importar com a trama, contanto que eu esteja ao seu lado. Não importa se o papel que me confia é secundário, eu apenas obedeço, e deixo que a emoção se aproprie de mim como o fogo que consome em brasas tudo por onde passa, como as chamas que lambem nossos corpos emaranhados. É quando eu finalmente protagonizo, e dirijo, alternadamente. É tanta verdade que transborda dos seus olhos enquanto me beija com a boca cheia de mentiras! Como eu poderia duvidar, ou sentir medo? Como eu posso recuar um passo sequer enquanto você me olha de tão perto, inflando meu espírito de coragem? Eu só consigo mergulhar cada vez mais fundo, mais entregue, mais exposta, mais suscetível ao prazer ou à dor, ao que nos estiver reservado, enfim. E se o chão nunca chegar? Às vezes temo ficar assim, suspensa, num mergulho vertical infinito, pressentindo o impacto sem nunca ser embalada em seus braços ou receber um desfecho fatal. Chegar ao fundo, partida em mil pedaços, talvez seja a libertação que minh’alma espera, enquanto minha mão procura desesperadamente pela sua.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Se um dia eu tiver

Não sei se terei filhos, mas se um dia eu tiver, amá-los-ei pelo que são, não pelos bens materiais que conseguirem acumular. Ensinarei a serem gentis, simples, amáveis, humanos, a respeitarem seus semelhantes e cada ser que habita este planeta, a respeitar a si próprios, seus talentos, seu tempo, seu corpo, seu espírito. E se eles aprenderem, sentirei um orgulho imenso, independente do saldo de suas contas bancárias, independente de onde escolham viver e ao lado de quem desejem estar. Direi que sucesso é ter a consciência em paz, o coração tranquilo, é ter bons amigos, fazer o que ama, viver o que acredita. Não os admirarei por serem melhores que os outros, mas por serem o melhor que possam ser. Direi que são únicos, mas que são parte do todo, e como tal responsáveis pelo equilíbrio do universo. Que suas pernas os levarão aonde quiserem, mas que sempre terão um lugar de amor pra onde voltar; que o melhor caminho é o que desenham sob seus pés enquanto escutam seus corações. Eles saberão que não há vergonha alguma em pedir, que não há limite para doar, que tudo o que vai acaba voltando, que a gente colhe o que planta, que humildade não é fraqueza, que a fé constrói, a ambição destrói, o apego aprisiona, mas o amor liberta. Eles nunca estarão em desamparo enquanto meu coração bater, ou mesmo quando eu deixar de respirar...

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Más allá del extremo sur

Em cinco dias nos apaixonamos, nos casamos e rodamos o mundo numa quatro por quatro. Fizemos uma filha, reformamos o barraco. Voamos de ultraleve, asa-delta, velejamos os sete mares. Plantamos bananeiras no quintal, pescamos alguns bagres pra fritar com camarão. Fundamos um albergue em cada região. Cultivamos nossa pequena horta, porque com amor a salada cresce mais gostosa. Sem um minuto a sós, lavamos a roupa suja e o mofo dos lençóis. Acendemos incensos, porque perfuma a casa, e a alma, porque acalma. Pedalamos a cidade inteira, e fomos dar na praia a comer pastéis. Escrevemos um livro junto à vela vermelha na bancada. Fizemos de tudo, não demos em nada. Nos dispensamos sem palavra. Eu diria que isso faz chorar, e é capaz de perturbar mente sã. Sorte a nossa que somos loucos, filhos de Iansã colorindo o entardecer, ainda que o rabo de galo ameace chover. Em cinco dias não realizamos sonhos, expusemos a realidade. E quando tudo veio às claras, você já não escutava. Eu dizia sim. Ou será que eu calava? Cinco anos em cinco dias, tudo isso e nada mais. Risquei todos os cincos do meu calendário, e todos os pares. Não gosto mais de número par. Agora conto dia sim dia não, até que não precise mais contar.

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Eu sinto

Por que precisa fazer sentido se te faz sentir? E se sentido fizesse, que diferença faria? Talvez o sentimento estancasse? E se vc tivesse percebido as coisas com que eu me importava? E se eu ainda me importasse? E se eu me importo? Quem diria? E quem iria escutar? E eu cheia de perguntas pras respostas que você nunca vai me dar...